Saturday, April 14, 2007

Ainda revendo, ainda curioso

Como este semana tinha mostra dos melhores de 2006, era mesmo hora de revisões. No caso de dois filmes dos mais marcantes que vi nos últimos anos. Um deles, foi visto há pouquíssimo tempo, só em DVD, e dessa maneira entrou no topo da lista de 2006. Trata-se do Miami Vice, de Michael Mann. Era uma das minhas obsessões vê-lo no cinema, e sei que esta era possivelmente a última chance (no Brasil, pelo menos). Fui pro cinema com água na boca, e no final o gosto foi menos doce que eu pensava. Não pelo filme exatamente (no sentido da construção da obra, tanto estético quanto dramatúrgico, palavra meio inadequada a ele, mas vamos lá), que nem vou analisar aqui porque li muitas coisas muito mais interessantes do que eu realmente teria a adicionar (o filme me dá muito mais como experiência do que eu tenho a dar a ele como reflexão), mas principalmente pela questão da imagem do filme.
Alguns, como o Cléber, tinham me dito: "vc tem que ver em cinema, o granulado é essencial para o filme". Pois eu me permito discordar: a versão realmente embasbacante do filme é a do DVD. A nitidez da imagem digital, suas cores exageradas, a limpeza de seus horizontes, pra mim é o que me fez ficar hipnotizado pelo filme. O granulado (que, a bem da verdade, na maior parte era ruído digital em transcrição) não me parece adicionar sentidos e mergulho na obra, que ficaria muito melhor numa senhora projeção 2K digital na tela grande. E, embora eu não possa afirmar isso 100%, ainda diria mais: creio que a maior parte dele é by Labocine, muito mais que by Michael Mann ou Beebe. O Fernando Veríssimo sabe o quanto as nossas cópias empalidecem (quase literalmente) perto do que se pode fazer em laboratórios realmente cuidadosos com cópias, a partir de uma experiência com uma cópia americana do Van Helsing exibido uma vez no MAM. Pois, até mesmo pela irregularidade do tipo de granulação que aparecia na imagem da cópia (irregularidade que realmente não faz sentido algum creditar à "autoria"), eu tenho quase certeza que uma boa parte daquele granulado era "coisa nossa". Inclusive, se o granulado fosse essencial para o filme, seria plenamente possível mantê-lo na versão em DVD - essa sim bastante mais "controlada" pela matriz, e que nada tem de granulada.
Fiquei mais feliz com o que achei que podia ser doideira minha ao encontrar o Rodrigo que disse ter tido a mesma sensação com Colateral - que só vivenciou o filme ao rever em DVD. Essa semana mesmo pego meu dvd do filme, que comprei mais ainda não vi, pra ver no formato.
* * *
Já hoje fui no CCBB-SP rever Plataforma, que só tinha visto uma vez (e no CCBB-RJ). É um daqueles filmes grandiosos pela capacidade de, quase como uma primeira obra (já que o Artisan Pickpocket pouco circulou - embora eu tenha tido a chance de ver em Paris), deixar claro que o cara por trás daquela obra é uma figura central no entendimento do cinema hoje. São poucos os que conseguem fazer isso, e virar uma referência obrigatória em menos de dez anos. Não acho o filme perfeito (prefiro O Mundo), mas a primeira metade chega bem perto disso, e alguns planos/sequências o são, plenamente. E dizem que o Yu Lik-wai vem fazer um filme no Brasil este ano ainda...
* * *
Ah, sim: teve mais a revisão do Três Enterros, que tinha visto no último dia de Cannes 2005, cansadíssimo, e precisava renovar meu olhar. Confesso que acho a parte Arriaga (o começo) realmente quase constrangedora - de uma maneira que nem a parte que eu gosto do filme (digamos, a porção Chris Menges) consegue salvar. Mas, no momento em que o filme abraça a loucura no deserto, não se pode negar alguns belíssimos planos, momentos de um cinema físico que só existe mesmo porque o Tommy Lee Jones ator é um gênio - mesmo que a serviço de um diretor (ele mesmo) nem tão brilhante.
Ah, e revi O Último Beijo, ou melhor, vi a refilmagem americana - mas que era praticamente o mesmo que rever o filme original. Mas, sobre isso escreverei na Cinética até terça.

Thursday, April 12, 2007

O curioso fenômeno da revisão

Voltar a filmes é muito mais do que ver de novo o mesmo filme. Vemos sempre filmes diferentes - e isso é bem mais do que uma simples platitude. Verdade que nem sempre vivo experiências tão radicais quanto com o Vou para Casa do Manoel de Oliveira (que da primeira vez, amei; da segunda vez, admirei com distância; da terceira, fiquei frio frente ao filme; da quarta, reencontrei um sentimento da primeira olhada), mas sempre acho que os filmes que vale rever são aqueles que nos mostram facetas distintas a cada olhada - e não aqueles em que revemos o já familiar.

Ontem, revi Eu Me Lembro (**), e tive uma curiosa contra-experiência da primeira vez. O que me encantou na primeira visão (toda a parte da infância, no fluxo incerto da memória e da interrelação entre experiências), desta vez me pareceu travado, algumas vezes endurecido - tanto na encenação quanto na montagem, principalmente. Tudo que eu admiro como conceito continuava ali, mas a experiência sensorial mudou para pior. Curiosamente, aconteceu o contrário com a parte "adulta", que na primeira visão me pareceu um epílogo mal resolvido, uma articulação entre micro e macro História que pouco adicionava ao filme. Pois desta vez, mesmo reconhecendo algumas das mesmas "dificuldades" na parte de construção, me pareceu que o filme não poderia existir sem aquele trecho, sem a força realmente pungente do desencanto pessoal que se une ao desencanto de país. Conhecendo um pouco o Navarro por escritos dele recentes, me parece que aquele talvez seja o cerne do filme para ele, esta passagem para um mundo adulto junto com um país que desencanta. Me emocionou, de verdade.
Uma pequena miss sunshine incomoda muita gente

Finalmente, depois de uns 6 meses enrolando e evitando, vi ontem a tal Miss Sunshine (*1/2). Seria impossível a estas alturas não entrar no cinema cheio das piores expectativas - e por isso mesmo, seria igualmente impossível não sair de lá levemente decepcionado com estas piores expectativas. Ou seja: ao fim e ao cabo, não acho o filme a terceira vindo do anticristo.

Acho sim o filme bastante desinteressante em toda a sua primeira metade, preso entre seu esquematismo de filme independente, sua manipulação emocional descontrolada (onde o uso da trilha sonora é especialmente incômodo) e alguns personagens canhestros (em especial os do adolescente e o de Greg Kinnear - embora talvez o que mais me desagrade seja mesmo o de Alan Arkin, que assim como o Woody Allen no Scoop parece perdido num filme todo dele, numa atuação dó de peito chamativa - do tipo que ganha mesmo Oscar - mas completamente desarticulado dentro do filme). No entanto, também há coisas ali que começam a me indicar que o filme pode atingir algum interesse, em especial a personagem bastante curiosa da mãe (como Cléber notou, que trabalha num registro distinto dos outros), a menina Breslin que é mais do que apenas "fofinha", e realmente é boa atriz, e acima de tudo Steve Carell que, mesmo com um personagem com tintas tão canhestras quanto os de Arkin ou Kinnear, mostra o que um ator consciente pode fazer "apesar" do roteiro, "apesar" do diretor. Seu Frank é sempre bem mais do que apenas um sintoma, e isso se deve quase exclusivamente ao ator, a seus tempos de falas, a seus olhares, a seu gestual. Uma atuação, essa sim, impressionante.

Aí, depois de uma hora de desinteresse (embora eu mais me entediasse do que me revoltasse com o que estava na tela), a chegada ao concurso de misses definitivamente me acordou. Acho que a sequência tem consideráveis acertos de filmagem, e quando a família supera as individualidades banais e se encontra como coletivo, e se descobre incapaz de encontrar no seu objetivo comum alguma realização, o filme obtém vários níveis de interesse a meu ver. Acho que há nesta cena elementos que são bem mais complicadores e complexos do que se queira desfazer o filme como um approach simplesmente patológico frente ao mundo.

Ontem o filme (por minha culpa, assumo) acabou dominando a parte final do debate no CineSESC sobre representações da família (depois de alguns pontos altos, como a fala do Francis sobre Caché - que representou, preciso dizer, a primeira vez que ouvi/li alguém dizer qualquer coisa sobre o filme que me fizesse minimamente querer revê-lo dentro do desagrado que tive com o filme na única visão dele). Ali, queria ter dito duas coisas que não consegui: a primeira, quando se falava da patologia do desfile e o Rodrigo citou o apresentador e a realizadora do desfile como provas de que havia patologização geral da cena, era citar a Miss Califórnia - personagem que teria tudo para "replicar" o que se esperaria de patológico, mas que não só dá um outro peso na sua única fala, como na sua reação à dança da família freak, algo que chamou minha atenção. Segundo, quando joguei Carpenter e Romero na roda, acho que ficou a falsa impressão que eu não vejo diferenças entre o cinema destes e o de Farris/Dayton. O que está longe de ser o que eu quis dizer: não quis comparar os cinemas, e sim discutir os nossos argumentos na crítica (e me incluo totalmente nisso) para desautorizar certos expedientes em alguns cineastas, quando podemos elogiar exatamente os mesmos expedientes em outros. De tudo que ouvi ontem, do Rodrigo, do Francis, do Sérgio, confesso que ainda não estou certo de que, nos argumentos, conseguimos sempre ir além de uma simples expressão do nosso gosto por um ou outro filme ao apresentarmos as "provas" sobre os erros. Sobre isso, confesso, continuo em dúvida.

ps: ah, e Rodrigo e Gilberto (embora ache que Gilbertão não lê blogs): 24 horas depois, continuo gostando do final do filme! hehe

Sunday, April 08, 2007

Deuses do constrangimento

Claro, eu acho Trapaceiros e Dirigindo no Escuro filmes incrivelmente fracos e preguiçosos, mas ainda assim eu curtia suficientemente alguns Woody Allen recentes (inclusive o Escorpião de Jade e Match Point bastante) pra não entrar no coro de "carreira acabada".
Pois agora eu estou no coro: Scoop (0) é um filme vergonhoso, em alguns momentos parece um mal feito filme de estudante de escola com uma encenação patética, ganchos entre sequências dignos de novelas mexicanas, interpretações francamente constrangedoras. Mesmo o que ele supostamente teria de bom (o personagem de Woody Allen) é um one-man show narcisista e sem funcionamento cômico pra além do stand-up comedy. Realmente uma das mais desagradáveis experiências que tive recentemente no cinema, cuja única explicação eu deixo na boca da patroa, que disse melhor do que eu poderia sintetizar: "a única explicação pra esse filme é que o Woody Allen queria passar mais uns meses pertinho da Scarlett Johansson".