Tuesday, January 01, 2008

Charada

Nada melhor para começar 2008 do que a revisão de um dos grandes filmes de 2007: Zodíaco. Passada a hipnose que tomou conta de mim quando vi o filme no cinema pela primeira vez, em que me senti completamente envelopado pela busca insana de Robert Graysmith por alguma iluminação sobre o mistério da existência que era o Zodíaco (num tema que tem algo a ver com o meu Monstro, e talvez daí venha parte da minha fascinação com o filme), agora pude mergulhar com um pouco mais de calma (e com a certeza de que esta não será a última vez) sobre a construção de Fincher.
Nesta segunda visão as seguintes coisas sobressaíram-se ao meu olhar:
- a riqueza da construção dos personagens através do trabalho dos atores e dos entornos - nosso protagonista (noção um tanto dúbia para este filme, mas usemos o critério universal de tempo de tela e não o termo em sentido figurado neste momento) Graysmith, por exemplo, começa casado, com um filho, se divorcia, casa de novo, tem mais filhos, e em nenhum momento nada disso (ou muito pouco) nos é informado de fato. ou seja: adequar vida pessoal à narrativa nada tem a ver com o que interessa a Fincher aqui, e ainda assim, no entanto, ela está lá presente o tempo todo (como a mulher do detetive Dave Toschui - Mark Ruffalo).
- o humor. o filme tem um humor sofisticado e rascante como o de um Shyamalan (revi outro dia aliás pedaços de Dama na Água, cortesia da SKY), o tipo de humor que não nos joga na cara suas piadas, não nos explica o porquê da necessidade delas estarem ali, mas que sentimos que é um humor que torna tudo mais generoso, porque vê o ridículo no que podia facilmente ser "santificado" cinematograficamente.
- mas, principalmente, falemos de Harry Savides, claro: a fotografia de Zodíaco é brilhante - e uso o termo com todos os duplos sentidos. eu me bato na cabeça até hoje por não ter ido ver o filme em Cannes (pois sabia que estrearia logo no Brasil), imaginando o que foi uma exibição digital 2K na tela enorme do Grand Theatre Lumiere. o fato é que o uso do digital por Savides aqui talvez se iguale ao Miami Vice de Mann em genialidade, pois desafia exatamente a obviedade: num filme sobre a opacidade, sobre a impossibilidade de atingir uma verdade que nos satisfaça, o clichê óbvio seria abusar do escuro, do grão, da foto contrastada. pois o que faz Savides? o contrário? usando uma manipulação digital RADICAL das tonalidades, simplesmente ele elimina o escuro do filme (com uma ou duas exceções): há sim, o preto, mas nem ele é escuro (e a cópia em DVD deixa isso muito mais, er, claro). então, Savides/Fincher nos dizem o que é muito mais interessante do que "o mundo está sempre com uma parte no escuro": nem com tudo claro na sua frente você conseguirá ver além de algumas pistas e pedaços da realidade. nem assim!
há, claro, um segundo efeito da luz de Savides, que é a colocação do filme numa dimensão teatral extrema, uma artificialidade que é contrabalançada/completada pelo cuidado realista de uma reconstituição de ambientes, tendo como efeito final um sentido ainda mais enlouquecedor de apreensão do mundo pelo cinema: o da verdade do artifício.
* * *
a verdade é que existe um enigma acima de todos quando assistimos Zodíaco: quem diabos é David Fincher? sim porque o mesmo homem que fez este filme pode mesmo ter feito Fight Club, Se7en, O Quarto do Pânico??? ou fui eu que não entendi nada destes e preciso voltar a eles? pois é, Zodíaco é tão bom que me dá vontade de fazer isso... algo que terá que ser deixado mais para a frente, mas que eu farei, com certeza.

4 Comments:

Blogger Ricardo [DIVERSITÀ] said...

É difícil pra mim achar Clube da Luta ou Seven tão ruins assim. Afinal, foi o início da Cinefilia adolescente, com meus 15~17 anos (21 hj, terminando jornalismo). Assistir aquilo na idade em que assisti é meio que perturbador: "nossa, hollywood pode mostrar isso? que cinema maluco é esse?". Isso, achando estranhíssimo um "A Doce Vida", por exemplo. E aí, na época o Fincher entre diretores prefiridos e o Fellini é só um ET mesmo.

Mas a questão é que hoje, depois de muito tempo, assistir Zodíaco, não deixa de ser meio inquietante: não parece ser realmente o cinema de Fincher e o, no mínimo, instiga a revisão das suas outras obras.

1:28 PM  
Blogger leo said...

descobri a força de zodiaco horas depois do filme. na hora não me impressionou tanto, mas depois foi só crescendo e tomando conta de tudo que eu pensava, daí pensei: "eita, que filme!"

leo amaral

5:12 PM  
Anonymous Anonymous said...

This comment has been removed by a blog administrator.

8:00 PM  
Blogger Unknown said...

não vai atualizar essa joça não?

9:30 PM  

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