Tuesday, July 04, 2006

Sobre o Brasil

Todo tipo de teoria já tem circulado sobre a participação do Brasil nessa Copa, das mais "conspiratórias" às mais inocentes, passando pelas engraçadas (eu, por exemplo, me pergunto se o "silêncio do Parreira" de que o Galvão tanto reclamava não era culpa dos surdinhos que lêem lábios no Fantástico e deixaram o nosso técnico ressabiado).

A discussão de sempre ("quanto foi culpa do técnico") também está já sendo esgotada. Sobre ela, deixo claro logo que minha opinião é: o Parreira foi culpado por omissão, sim. Não acho que taticamente ele tenha trabalhado mal, nem que tenha convocado mal. Mas, faltou a ele o peito e a vontade de enfrentar e barrar uns e outros, sem dúvida, e mesmo a gana/percepção de lidar com o verdadeiro problema da Seleção.

Este verdadeiro problema, a meu ver, quem chegou mais perto de notar (que eu tenha ouvido) foi o Juca Kfouri: a questão dos jogadores de futebol como popstars. O fato de que a Copa do Mundo não significa mais para eles o que significa para a maioria dos torcedores brasileiros e amantes do futebol é latente e gravíssima. Enquanto se continuar não tratando disso como assunto primordial, e lidando com problemas de este ou aquele nome (por mais que Roberto Carlos seja uma excrecência) ou este ou aquele esquema tático, estaremos dando voltas em falso.

O único ponto onde Juca Kfouri malandramente não toca é no papel da própria imprensa nesta transformação do futebol. É gozado isso, porque são complementares: o Parreira e os jogadores negando o óbvio (de que faltou interesse/empenho/coragem) e dizendo que tudo é muito normal e várias coisas são "culpa da imprensa"; e os jornalistas dizendo que "a imprensa só faz o seu trabalho, a culpa é de quem joga e escala" - os dois tirando sempre o seu da reta.

Mas o fato é que a sana de notícias (inúteis) que justifiquem suas 24 horas de transmissão em Tvs a cabo ou suas 20 páginas de suplemento diário da Copa nos jornais; a radical bigbrotherização do mundo (e dos trabalhos da Seleção, por tabela) e o culto da celebridade (que são feitas por quem, oras, se não pela mídia??) são tão daninhos quanto qualquer outro foco de problema que venha de questões do futebol.

O resultado disso tudo é uma Seleção constantemente anestesiada, mimada, desinteressada. Ao contrário de alguns, eu não acho que, conscientemente, o Ronaldinho, o Gaúcho ou o Kaká se importem mais com seu salário do que em ganhar a Copa. Eu realmente acredito que eles acham que fizeram o máximo. Mas, por outro lado, eu tenho a certeza de que é impossível pensar que estes jogadores lidam com o mundo hoje como lidavam 20 anos atrás os jogadores da Seleção. Quando tocava o hino do Brasil no começo, e ao passar pelo Gaúcho a gente viu aquele overmarketing grotesco da fitinha da Nike no cabelo dele (cuja predeterminação para o "momento hino" só foi mais comprovada depois quando ele virou ela de lado no jogo pra mostrar o seu "R"), eu sentia que tinha algo muito errado naquilo tudo. O que devia ser originalmente um caminho de mão dupla (a Nike apóia a Seleção que dá retorno a Nike) virou uma rua sem saída. A única realidade desse mundinho é a dele mesmo, a dos quartos de castelo cercados de microfones e câmeras, a dos jogos de videogame entre si em que cada um deles escolhe a si mesmo na tela e vêem eles jogando um futebol automaticamente que dá a ilusão de que não é preciso nem mais treinar. O "treinar pra quê" de Romário deixou de ser sinônimo do malandro para ser o mote dos jogadores atuais.

O fato dos jogadores ganharem em euros e morarem em casas fantásticas na Europa não me parece torná-los mercenários que só jogam por dinheiro. Mas, inegavelmente, os coloca completamente distante da realidade brasileira, em todos os sentidos. O fato de que eles não se concentram e treinam mais no Brasil, não andam nas ruas do Brasil e, principalmente, não voltam ao Brasil depois da Copa (Ronaldinho, por exemplo, tinha um avião fretado para ele e a família na saída do hotel, depois da eliminação) criam uma redoma que iguala a Seleção hoje ao Congresso Nacional auto-centrado que temos lá em Brasília. Eu fiquei aterrorizado, por exemplo, ao ouvir o Gaúcho dizer após o jogo, com absoluta naturalidade, que tinha tido um ano tão bom e que era uma pena não ter dado o fecho que ele gostaria a ele. É isso: para um cara como ele, hoje, a Copa já é só isso: o fecho de uma temporada.

Esta Copa me parece o espelho distorcido da de 90: se naquela começava a se desenhar todo este processo insano (do mercado persa dos jogadores com empresários que os perseguiam na concentração, da discussão de cifras antes dos jogos), esta representa o seu ápice. Se depois dela vamos melhorar ou piorar, confesso que não sei. Mas uma coisa me dá esperança: a revolta e o desânimo que tomou conta de todos que viram o jogo (e a Copa) desta Seleção começa a descambar para um cansaço com as superexposições. Eu começo a ver pessoas reclamando dos comerciais com os garotos-propaganda, xingando os jogadores etc. Isso, qualquer diretor de marketing logo perceberá, representa um mau negócio para eles. Como só esta perspectiva faz alguma coisa mudar no mundo de hoje, daí vem minha esperança. Talvez, tola.

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