Tuesday, July 04, 2006

Alemanha e Itália e a lenda dos jogos chatos

Uma lenda que a ala conservadora da crítica de futebol anda tentando espalhar é que o futebol de hoje em dia é feio e chato (só falta dizer bobo, mas parece que não tem mais time bobo). Não por acaso, os defensores desta idéia têm sempre entre cinquenta e muito e setenta e poucos anos - o que os coloca muito próximos daqueles outros famosos nostálgicos: o da música de antigamente, os do cinema de antigamente, os do Rio de Janeiro de antigamente, etc e tal.

A única verdade indiscutível sobre a experiência humana é esta: envelhecemos. E, quando fazemos isso, tudo que diga respeito a nossa juventude, "nossos" melhores anos, nos remete a terem sido "os melhores anos do mundo". Por isso, o futebol de então era lindo, a música fantástica, o cinema maravilhoso... Quanto a ter estas sensações, nada contra: são naturais. Não perceber que são elas que movem a visão que se tem do mundo e julgar que é o mundo que está piorando é que é lamentável.

Porque, fato é (assuntos ambientais à parte): o mundo não está exatamente piorando. Ele está mudando, só isso. E muda tanto, e cada vez tão mais rápido, que é difícil para cada geração acompanhar e entender de todo as experiências das seguintes. Daí as platitudes: algumas mais ridículas como "rock é barulho", outras que parecem mais sérias, como esta do "futebol-arte". Mas, é tudo só isso: besteira. O futebol é melhor hoje? Provavelmente não. Mas, é pior? também não. Só é diferente para caramba.

O que nos traz à Copa de 2006, que muitos já chamaram de chata. Bom, chata ela até é um pouco sim, mas por motivos além-campo: primeiro a necessidade política-econômica da Fifa aumentar a Copa pra 32 times, o que tornou acompanhar o campeonato inteiro um certo suplício, especialmente depois do excesso de jogos da primeira fase onde, para cada bom jogo, contamos umas 4 ou 5 peladas. Mas isso não seria diferente se houvesse 32 times em 1970. Segundo, porque as TVs e os jornais cobrem a Copa em tamanha "completude" (também comercial) que torna-se quase insuportável de continuar achando graça no campeonato depois de duas semanas.

Mas, o que importa é: são os jogos ruins? (porque afinal, alguém mais inteligente do que eu já disse que chamar algo de "chato" sempre diz mais de quem fala do que do objeto analisado) A resposta é: quando começa a Copa mesmo, nas oitavas, não. É verdade que temos visto bem poucos gols, mas só acha que número de gols mede qualidade do jogo quem é fã de futebol de salão ou de peladas do Aterro. Ou um 13x8 seria necessariamente melhor que um 1x0? Claro que não.

Jogos como Alemanha 1 x 1 Argentina, Holanda 0 x 1 Portugal, Inglaterra 0 x 0 Portugal estão longe de serem maus jogos. Mas, são jogos de futebol do século XXI, não de 1970. Ou seja: há que se apreciar a capacidade de um time vencer o esquema do outro, e não apenas de um jogador sair decidindo tudo com dribles. Há que se apreciar o embate entre um sistema de marcação e um sistema de ataque. Há que se apreciar que os jogadores são mais fortes e bem preparados fisicamente do que antes, e que os espaços e tempos mudaram muito. Mas, ainda assim, há muita diferença de um bom jogo para um mau jogo - fora que, meu Deus, como tinha jogo chato na Copa de 70 (inclusive da seleção brasileira - onde pra cada momento genial tinha pelo menos uns 15 minutos de tédio completo). Mas a memória é uma editora gentil: exclui o que era "menos bom", e só guarda os melhores momentos.

Isso tudo para dizer que Itália 2x0 Alemanha foi um belo jogo (mais o primeiro do que o segundo tempo, é verdade, e mais a prorrogação toda do que o tempo normal, é verdade). E teria sido, mesmo sem os dois gols no final. Só que, com esses dois, ele ganhou aquela dimensão maior, dos épicos.

Merecido.
(mesmo que eu não entenda como o Marcelo Lippi deixa o Inzaghi no banco atrás do Toni e do Iaquinta - sem falar, claro, nos Del Piero e Gilardino do lindo segundo gol)

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