Tuesday, June 20, 2006

ficou com cara de artigo, mas saiu assim, fazer o quê...

A cobertura da imprensa especializada sobre o futebol da seleção de Parreira continua quase pífia. Isso falando dos supostos “especialistas” mesmo, como os membros da mesa-redonda principal da ESPN Brasil. Depois de defender que “Ronaldo nunca jogou bola” no dia do primeiro jogo, José Trajano saiu-se agora com a tese de que Parreira é um enganador, porque “diz que entende muito de futebol mas pratica um futebol que não deixa nenhum legado”. Por trás dessa espinafrada, está uma requentada discussão, mais velha que andar para trás: a do futebol-arte contra o futebol de resultados.

Trajano, e seus colegas de mesa o acompanharam no raciocínio, acha que Parreira só se preocupa com os resultados, e não com a “História do futebol”. A tese, para além dos equívocos conceituais a serem discutidos depois, já é contestada por seu próprio criador: explicando porque o Brasil não podia se comportar como um país qualquer no que se refere a futebol (“um Equador da vida”), Trajano afirmou que, afina, “nós somos pentacampeões do mundo”. Ué, mas os resultados não eram desimportantes? Então como é que o número de títulos pode querer dizer alguma coisa? Não é ainda mais sem sentido puxar este dado sendo que um destes títulos foi ganho pelo próprio “Parreira de resultados”? Um título, aliás, que, segundo ele mesmo, Trajano nem comemorou de verdade. Mas somou na conta do porquê precisamos respeitar a nossa história. Mas, contradições à parte, este está longe de ser o maior problema do raciocínio.

Primeiro, porque levanta um sofisma importante: é mais importante ser campeão ou “deixar sua marca na História”? Ou seja: melhor ser a Alemanha ou a Holanda em 1974? Há bons argumentos para os dois lados, e eu concluiria que não é de todo mal ser nenhum dos dois – ainda que para se sentir bem com o lado holandês precise-se de uma boa dose de anos e perspectiva histórica (perguntassem no dia seguinte à final daquela Copa aos cidadãos holandeses e alemães, tenho certeza que os primeiros trocavam de lugar com os segundos sem o menor problema).

Questão adjacente a esta, mas igualmente interessante, seria definir o que significa “deixar a marca na História do futebol”, já que Trajano, em seu tortuoso pensamento, falava sempre em “inovações táticas” e “revoluções”. Se estes argumentos certamente caberiam para a Holanda de 1974, como ficaria o Brasil de Telê, em 1982? Não se pode dizer que ele tenha causado nenhuma revolução ou apresentado inovações – era simplesmente um caso de uma geração de jogadores incrivelmente talentosos jogando um futebol muito bom. Eles deixaram sua marca na História? Para quem os viu jogar, certamente – pelo menos no que se refere ao imaginário futebolístico.

Mas algum time é devedor hoje do futebol jogado naquela Copa pelo Brasil, como tem repercussões até hoje o Carrossel Holandês de 74? Dificilmente. Aliás, aquela Copa mais marcou o fim de uma era (a dos “pontas” – lembram de Jô Soares?), do que o começo de alguma coisa. A maior marca que o time deixou foi a de uma “injustiça” – o que, aliás, é outro conceito complicado. Se tomado jogo a jogo, por exemplo, se aplica muito mais à seleção lazarônica de 90, eliminada após uma bela atuação frente a Argentina, do que à “tragédia do Sarriá”, onde o Brasil não fez muito por merecer mesmo uma vitória sobre a Itália (e a magia do futebol não estaria no fato de que um time mais fraco no papel pode jogar melhor e ganhar de um mais forte? Onde está a injustiça então??).

Como vemos, os conceitos são um tanto fluidos. Fica a impressão, então, que não são conceitos de fato, mas apenas espasmos de torcedor de acordo com seus gostos pessoais: alguns preferem títulos, outros “jogar futebol bonito” (a oposição é tosca, mas vamos lá). A princípio nada contra, mas concordemos que é esquisito ver alguém que é um “analista” de alguma coisa dizendo que, se esta coisa não é feita como ele gosta, então não pode ser boa – vai de encontro à definição mesmo do que é ser um analista. É como ter a Barbara Heliodora criticando teatro moderno – ela não gosta dele por definição, porque gastar o tempo dela, e do leitor, atestando o óbvio. Assim como ela não pode dizer se uma peça moderna é boa ou ruim, apenas afirmar que ela não gosta, de que nos serve, por exemplo, ter cobrindo a Copa um Fernando Calazans que diz que “não vê vários jogos, porque eles são muito ruins”. Ora, não vai ver então a Copa de 2006, fica em casa vendo tapes de jogos das décadas passadas e abre espaço para alguém que se interesse de fato pelo futebol contemporâneo – que, aliás, nem precisa ser “coisa de jovem”, como o mestre Tostão demonstra sempre (ele mesmo curiosamente um membro da seleção que estes outros adoram citar como exemplo “inatingível” de excelência).

Mas, tudo isso é digressão para chegar no que importa: o Parreira de 2006. E quanto a este não há nada mais equivocado do que desvirtuar o debate possível para uma questão antiquada de resultadosXarte, como se o problema da Seleção de hoje fosse uma oposição entre eles. O problema maior é, de fato, que esta seleção dificilmente produzirá os melhores resultados. Não porque falte arte, mas porque ela é a exata antítese da seleção de Parreira em 94, que, mais do que resultados, era exímia em tirar o máximo do material que tinha em mãos. Esta Seleção desperdiça no banco jogadores em melhor fase do que os que estão em campo, e monta um esquema que não permite aos que estão jogando que desenvolvam seu melhor futebol. Este sim é o problema – e isso não é uma questão de arte, e sim de resultados. Enquanto se bater na outra tecla, a de opor arte a resultados, o Parreira vai achar que a escolha dele é a melhor, já que levaria a resultados. E o problema é que ela não leva. E aí, não vai sobrar alegria para ninguém: nem para quem quer “entrar para a História”, nem para quem queria ser campeão. E o pior é que dava para fazer os dois...

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